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domingo, 28 de julho de 2019

The Flying Burrito Brothers


Em meados dos anos 50, a country music havia alcançado tamanho ponto de diluição, que as franjinhas da camisa que o intérprete vestia ou o couro da bota que ele calçava importavam mais que a música que cantava e/ou os sentimentos que por meio dela expressava... veio então o movimento de volta às raízes, encabeçado por Merle Haggard e Buck Owens, dentre outros nomes. Esses caras foram chamados primeiro de "caipiras de Bakersfield", depois de "rebeldes", mas nada mais eram do que compositores que não abriam concessões às super-produções que enfeitavam temas e letras profundas como um pires... "Bakersfield" era música que falava de gente e para gente - não para gente estúpida necessariamente – e a sonoridade básica residia em instrumentação elétrica, um sacrilégio para o gênero country de então, diga-se... parece um tanto genérico, mas era isso mesmo, uma reação à estabelecida e corriqueira obtusidade que reinava na fórmula montada pelos capos hit-makers de “Grand Ole Opry”. Renovaram um gênero que parecia fadado ao tédio eterno e estreitaram mais ainda a tênue linha que separava a country music da dita música popular de sua época (Hank Williams e George Jones tinham sido os pioneiros na popularização massiva da country music), mas permaneceriam restritos aos limites da "Nashville America".

Pelo fim da década, entretanto, não havia mais lugar para discussões quanto à estupidez da temática veiculada nos hits pré-fabricados de Nashville... o rock e o R&B haviam passado por cima de tudo com a delicadeza de um rolo compressor... da metade dos anos 60 em diante, a "indústria da juventude" tomava de vez os controles e ditava que o que era “moda” em um mês, no outro era matéria de memorabília... tudo era muito hype, tudo se esgotava muito rapidamente, tudo era muito “tudo ao mesmo tempo agora”, para usar uma frase da época... mas existiam uns baby boomers malucos que além de curtirem o rock e o soul dominantes, curtiam também, veja só, country music, e viam possibilidades insuspeitas e irrealizadas no trabalho dos tais "caipiras de Bakersfield"...

Um desses filhos da "revolução dos eletrodomésticos", um alucinado de nome Gram Parsons (nascido em 1946 e criado na Flórida - portanto sem parentesco com Alan Parsons!), tinha especial talento composicional e vivia perseguindo uma tal de “cósmica música americana”, um lugar que, segundo ele, era o seu mundo real... o que acabou por encontrar, trocando em miúdos, foi o country-rock... Parsons praticamente forjou e definiu os primeiros contornos do estilo por meio de sua obra com a International Submarine Band, que durou de 1966 até fins de 1967 e resultou no disco "Safe at Home" (lançado em 1968 quando a Banda já não mais existia)... o disco e os shows com a ISB passaram longe de interessar o público majoritário da época, mas foram o grande laboratório em que Parsons desenvolveu composição, instrumentação, enfim, um perfil estilístico próprio...

Em fins de 1967, Gram conhece Chris Hillman em Sin City, ou Los Angeles para os mais íntimos, e este o recomenda a Roger McGuinn, eterno e inquestionável líder dos Byrds, que então fazia reformulação da Banda... convidado, Parsons topou se juntar aos passarinhos e teve notável proeminência na consecução daquele que muitos dizem ser o grande momento da Banda, "Sweetheart of the rodeo" (que saiu em fins de 1968)...

Pois é, a crítica colocou o disco nas alturas, considerando-o “o primeiro momento de afirmação do country-rock” (vide Rolling Stone) e deitando-lhe outros títulos menos criativos, mas Parsons não estava nem aí para as loas da mídia... aliás, ele tinha acessos de fúria quando falavam que sua música era country-rock... Parsons não era um rockstarzinho temperamental, nem se achava gênio, apenas não levava a sério as opiniões de uma imprensa que tinha mania de achar rótulos para tudo e todos, jogando arte e artistas em escaninhos restritivos... as manias da imprensa já estavam estabelecidas há tempos, e Parsons sabia que não seria ele quem modificaria o cenário, mas já que os rótulos eram inevitáveis, queria pelo menos que sua arte tivesse um de caráter mais universal, mais abrangente, daí falar tanto na tal “cósmica música americana”... é claro que o título não pegou e Parsons teve que engolir o country-rock mesmo (e cá entre nós, country-rock é bem menos pior e datado que “cósmica música americana”, não?)...

Rótulos à parte, "Sweetheart of the rodeo" foi o disco que deu novo rumo estilístico para os futuros trabalhos dos Byrds - nos discos seguintes, a country music seria o elemento dominante na sonoridade dos Byrds, deixando a psicodelia em segundo plano... paradoxalmente, por essas épocas “caipira” andava sendo sinônimo de “psicodélico”... Woodstock já vinha por aí e seria numa fazenda do interior do Estado de N. York e Peter Fonda e Dennis Hopper montariam em suas bikes e esfumaçariam de vez os limites entre o urbano e o rural na "Corporate America", onde tudo e todos eram paranóicos (no filme Easy Rider, 1969) – e, numa visão mais ampla, foi estopim para o fenômeno country-rock que dominaria as ondas médias e as freqüências moduladas de boa parte das rádios do ocidente ao longo dos ‘70s...

Mesmo tendo sido a grande estrela de "Sweetheart of the rodeo", demonstrando notável maturação artístico-estilística, nem tudo foi legal para Parsons no período em que ficou com os Byrds... uma lamentável veleidade jurídica fez com que seus vocais fossem praticamente limados do disco... Gram ainda era contratualmente atrelado ao selo responsável pela veiculação do trabalho da International Submarine Band, e assim sendo, não podia ter participação evidente em projetos de outras gravadoras... na verdade ele saiu da ISB sem fazer nenhum tipo de comunicação do fato aos demais membros da Banda ou mesmo ao empresário Lee Hazlewood, que dirá falar que pretendia juntar-se aos Byrds... esses detalhes não tinham vez no mundo do indisciplinado Parsons... e quer saber? Danem-se os Passarinhos também... nos poucos meses em que ficou com a Banda, percebeu que não tinha saco para o contraditório idealismo egotrip de Roger McGuinn que ia cantar "The times they are a-changin´" na África do Sul, então grande bastião do Apartheid, cobrando os tubos...

Parsons resolveu as pendengas jurídicas com seu antigo empresário e ficou livre para achar seu lugar, onde quer que isso fosse... tomou Chris Hillman dos Byrds, convocou o velho conhecido Sneaky Pete Kleinow, guitarrista especialista no pedal steel (Parsons sabia que Pete vinham engendrando um som que buscava equilibrar perfeitamente o lamento do country com a levada psicodélica e mais agressiva do rock, ninguém seria mais perfeito para a empreitada que ele), chamou para o baixo Chris Ethridge, outro velho camarada, ex-membro da International Submarine Band e se mandaram para o deserto, carregando na sacola melodias inesquecíveis, letras ainda inacabadas e outras cositas más... lá, na fértil aridez do Mojave, compuseram outras tantas pérolas, beberam, piraram, e ocasionalmente deram polimento em algumas obras-primas... Na volta, Hillman convenceu algum ensandecido executivo da A&M Records de que a "cósmica música americana" era viável e vendável e Parsons sacou do bolso um nome absolutamente lógico para sua Banda, The Flying Burrito Brothers (alguns dizem que ele e Hillman roubaram este nome de uma outra banda que andava por LA, mas e daí????, a outra banda nunca deu as caras questionando o fato), além de um título bastante atrativo para a cena pop da época, "The Gilded Palace of Sin".

Se em "Sweetheart of the rodeo", McGuinn e Gram jogaram cinco medidas de country para cada dez de rock, em "The Gilded Palace of Sin" (que acabou lançado em 1969) a medida do country seria a ausência de medidas, ou o ponto em que rock e country se tornam indistintos, como queira... que tal um tempero R&B? Gram era do Sul, hell, por que não? Joga soul nisso aí...

Dos primeiros stomps de “Christine’s Tune (a.k.a devil in disguize)”, passando pelo conto de pecado, redenção e destruição iconoclástica de “Sin City”, pelas covers de “Dark end of the street” - monumental exemplo de harmonização entre as vozes de Parsons e Hillman, elemento característico da sonoridade da Banda e fruto da admiração que ambos tinham pelos Everly Brothers -, “Do right woman” (composta por Chips Moman e magnificamente interpretada por um viés feminino, por Aretha Franklin, Parsons a interpretou do ponto de vista masculino... não superou a versão de Aretha, ninguém na Terra poderia, mas fez com que a música tivesse uma outra dimensão, como se fizesse parte de uma realidade paralela em que não existisse a versão de Aretha, dá pra entender? Não? nevermind...), fechando com a estupidificantemente linda balada “Hot Burritos #1” e sua contra-parte “Hot Burritos #2”, o disco é emoção pura... uma reafirmação das emoções e dos valores vislumbrados lá no trabalho dos "caipiras de Bakersfield "sim, mas sob a ótica cortante do rock, que com um gume deixava todas as veias abertas e com o outro suturava tudo junto, num amálgama indistinguível, calidoscópico e, para usar um adjetivo bem original, “psicodélico” até a última gota de refresco elétrico...

Em "Gilded...", o talento indisciplinado de Parsons irrompe com a mesma violência imagética de um daqueles diners vermelhos em contraste com o vazio do Mojave... Acabado "Gilded...", Parsons perde as divisas entre o real e o sonho... Desde tempos idos, Parsons soubera que o mundo onde vivia era apenas uma sombra do mundo real... Para chegar ao "seu" mundo real tinha de sonhar, e quando estava no seu mundo real tudo parecia flutuar ou dançar... poucos pisariam em lugares tão distantes quanto Parsons, que sempre dizia “ter de se perder para se encontrar”... no meio do nada Parsons se achou e se perdeu de novo, durante sua breve e louca sanidade, construiu "The Gilded Palace of Sin", um templo em que o nada era tudo e tudo era música e música dizia boas coisas à alma, e viu que isso era bom ... inquieto, terminado o "Palácio", Parsons saiu dali e ganhou o deserto... precisava voltar... para onde? só havia uma estrada de volta à Sin City... "a Interstate 15, uma linha reta que cruza Baker, Barstow e Berdou e se perde na frenética Hollywood Freeway... segurança, obscuridade, só mais um doido no reino dos doidos"...

Tempos depois, umas “águias” tiveram um leve vislumbre do velho Palácio e construíram algo que achavam parecido, puseram-lhe o nome Hotel California e faturaram bilhões, diluindo, dilapidando e quase soterrando a miragem original numa tempestade de granola-rock... muitos outros tempos depois, uns caras menos ambiciosos empreenderam uma busca pelo Palácio original e, redescobrindo-o, trouxeram de lá um tal de "alternative country", não faturaram milhões, mas engrossaram um caldo que andava pra lá de ralo, também conhecido como música dos anos 90...

E Parsons?? ainda fez um bom disco com os Burrito Bros. ("Hot Burritos", 1970) e conseguiu realizar dois discos solos (os antológicos "G.P.", 1972 e "Grievous Angel", 1973), mas em nenhum deles imprimiu tanta substância quanto no ornamento do seu Palácio dourado, que aliás continua lá, no Mojave, iluminado e iluminando com o brilho inextinguível do anjo que virou pó...

Texto | Guilherme Rodrigues

1969 | THE GUILDED PALACE OF SIN

01. Christine's Tune
02. Sin City
03. Do Right Woman
04. Dark End Of The Street
05. My Uncle
06. Wheels
07. Juanita
08. Hot Burrito # 1
09. Hot Burrito # 2
10. Do You Know How It Feels
11. Hippie Boy

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