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sábado, 9 de fevereiro de 2019

Alceu Valença & Geraldo Azevedo


Alceu Valença, Geraldo Azevedo e a psicodelia do disco Quadrafônico
De como Rogério Duprat foi parar no disco de estreia da dupla pernambucana que revelou grandes compositores da música brasileira

Fiquei em dúvida se começava a contar essa história pela parte em que os arranjos do disco “Alceu Valença & Geraldo Azevedo” (1972) seriam inicialmente feitos por Hermeto Pascoal mas foram parar nas mãos de Rogério Duprat, um dos criadores do Tropicalismo. Ou que nas gravações foi utilizado o sistema Quadrafônico, uma novidade à época. Ou também que o orçamento da produção era tão pequeno que Alceu e Geraldo foram mandados pela gravadora Copacabana a São Paulo gravar e se hospedaram no apartamento de Cesare Bienvenuti, produtor do disco. Ou ainda que as poucas horas de gravação destinadas ao LP aconteciam de madrugada, quando o estúdio estava desocupado.

Seriam formas interessantes se pensarmos nas curiosidades por trás de uma produção, mas elas não dariam a real dimensão deste clássico ainda hoje desconhecido do grande público que foi a inspirada estreia da dupla no disco “Alceu Valença & Geraldo Azevedo”.

Está contida nesta pequena joia que tem apenas 34:02 minutos de duração a gênese do frutífero trabalho como grandes compositores que Alceu e Geraldo desenvolviam individualmente já naquele começo de anos 70. Fosse isto pouco, considere que não se trata apenas de uma apresentação de dois desconhecidos ao mercado fonográfico mas a convergência destes juntamente com Rogério Duprat que resultou num disco clássico da nossa música.

Um clássico pode ser definido como uma obra que atravessa o tempo com suas características e qualidades artísticas intactas e é neste quesito que o “Alceu Valença & Geraldo Azevedo” se insere.

Rápida digressão: no início dos anos 70, a banda inglesa Pink Floyd andava empolgada com um novo sistema chamado Quadrifônico ou Estéreo 4.0, correspondente ao atual Surround, e gravou três discos neste formato. O Quadrifônico usava quatro canais de captação (o padrão então utilizado era dois) dispostos em diferentes pontos do estúdio capturando diversas tonalidades do som. A reprodução destes LPs, porém, exigia aparelho de som compatível, ou seja: com quatro caixas de autofalantes distribuídas nos ambiente o que dava ao ouvinte a sensação de se estar dentro do estúdio junto com a banda. O formato não vingou dada a indefinição do mercado quanto ao padrão a ser utilizado comercialmente e o valor elevado dos aparelhos para reprodução.

Deriva daí a confusão feita com o título do álbum que, ao contrário do que se afirma, não se chama ‘Quadrafônico’ pois esta denominação apenas identifica a tecnologia utilizada em oposição ao padrão Estéreo.


Alguns discos foram concebidos para serem ouvidos do começo ao fim, na ordem em que foram gravados, como o “The Dark Side Of The Moon” (1973), do Pink Floyd  -  um dos três em que a banda utilizou a tecnologia quadrifônica na gravação - , e isto é essencial para que a obra seja compreendida em toda a sua complexidade dado que a divisão entre as faixas não obedece à lógica padrão de um disco comum de ‘faixas soltas’. (Parece, inclusive, que há uma lei da Corte Marcial que condena os subversivos desta ordem a serem açoitados em praça pública tamanho é o sacrilégio cometido)

Este é o caso de “Alceu Valença & Geraldo Azevedo” que foi pensado para ser ouvido do começo ao fim e assim se possa ‘tocar’ as texturas, efeitos e cores que cruzam a fronteira da música e o aprumam rumo às artes visuais.

O regionalismo da dupla está aí mas não é o determinante. Tem ciranda, coco, viola caipira, rock mas é a psicodelia quem dá a liga. A conversa entre músicos e técnicos durante as seções de gravação no estúdio também estão presentes no disco, outra novidade para aumentar no ouvinte a ilusão de imersão no som.

Destaco aqui como um dos pontos altos deste trabalho a beleza na interpretação de “Talismã”. É coisa fina F.C.

A importância deste álbum quadrifônico é tamanha que o cultuado e raríssimo “Paêbirú”, disco psicodélico de Zé Ramalho e Lula Côrtes e que se tornou o vinil brasileiro mais caro chegando a custar R$ 4.000, só viria a ser lançado em 1975 e nele Alceu também deu sua contribuição.
Registre-se ainda que quando foi lançado “Alceu Valença & Geraldo Azevedo” o auge do rock psicodélico no mundo tinha ficado para trás perdido no éter da década de 60 e talvez por isto, suponho, o álbum não teve o devido destaque.

Esqueça os clássicos de Alceu e Geraldo que vieram à sua cabeça enquanto você lia este artigo. As músicas produzidas são uma terceira coisa para além da obra individual destes dois gigantes.

É com “Horrível”, a derradeira faixa do brilhante álbum “Alceu Valença & Geraldo Azevedo”, que o Risco no Disco convida você a fazer mais uma viagem pelo universo da música brasileira.

Texto | Risco no Disco

1972 | QUADRAFÔNICO

01. Me dá um beijo (Alceu Valença)
02. Virgem Virginia (Alceu Valença, Geraldo Azevedo)
03. Mister mistério (Geraldo Azevedo)
04. Novena (Geraldo Azevedo, Marcus Vinicius)
05. Cordão do Rio Preto (Alceu Valença)
06. Planetário (Alceu Valença)
07. Seis horas (Alceu Valença)
08. Erosão (Alceu Valença)
09. 78 rotações (Alceu Valença, Geraldo Azevedo)
10. Talismã (Alceu Valença, Geraldo Azevedo)
11. Ciranda de Mãe Nina (Alceu Valença)
12. Horrível (Alceu Valença)

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